DP: MAIS DO QUE APENAS UM DISTÚRBIO DO MOVIMENTO
J. William Langston, M.D.
O que é a doença de Parkinson (DP) afinal? Responder esta pergunta não é exatamente como armar um quebra-cabeça, mas tampouco é coisa fácil. Encontrar a resposta é importante porque nossa definição de DP pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso na procura de indícios da(s) causa(s) e das formas de combatê-la.
James Parkinson, o médico inglês que pela primeira vez definiu clinicamente a doença, há quase dois séculos, chamou-a "paralisia agitante." Mais de um século e meio depois os neurologistas passaram a defini-la como um severo "distúrbio do movimento", caracterizado pela tríade clássica de rigidez, lentidão do movimento, bem como da "agitação" ou tremor, associado há muito ao Parkinson.
O foco nestes sintomas e sinais motores ficou dramaticamente marcado nos anos sessenta pela descoberta de que sua causa residia numa perda de células produtoras de dopamina no cérebro, na área conhecida como "sistema nigroestriatal", e que poderiam ser melhorados pela administração da L-dopa, um precursor da dopamina. Contudo, mesmo na época desta descoberta, os médicos notavam que cada vez mais seus pacientes Parkinsonianos chegavam aos consultórios com outros sintomas - entre os quais queixas diversas como fadiga, constipação, depressão e mesmo diminuição da capacidade olfativa – que pareciam ser tão diferentes uns dos outros quanto de todos os sintomas do movimento que serviram por tanto tempo para caracterízar a DP.
Na verdade, estes sintomas motores tornaram-se tão entranhados no léxico médico que nós agora os chamamos "parkinsonismo."
O que isto significa para nossa compreensão e para lidarmos com o Parkinson? Eu acredito que significa que nossa definição de Parkinson é demasiado estreita. Por isso, restringimos muito nossas pesquisas concentrando-as numa porção do cérebro - o sistema nigroestriatal – produtor de dopamina - à custa de outras áreas cruciais de pesquisa. Posto às claras, está cada vez mais evidente que o "parkinsonismo" - os aspectos motores do Parkinson – são apenas uma característica de algo que é visto cada vez mais como um multifacetado e complexo distúrbio. Ninguém que viva com Parkinson (PcP) precisa que lhe seja dito. Eles percebem isso mais do que podem fazê-lo os especialistas e pesquisadores de Parkinson, por demais centrados no seu campo habitual - o sistema nigroestriatal - produtor de dopamina – para examinar outras áreas do cérebro e do corpo.
Assim, à luz desta evidência clínica mais ampla e complexa, como vamos reexaminar a teoria científica de Parkinson? Um bom começo é com o cientista alemão F.H. Lewy, que identificou um tipo diferente de matéria no cérebro de pessoas que morrem com Parkinson, chamado corpos de Lewy, cuja presença há muito é considerada como indicador patológico da doença.
Reconhecido menos amplamente é o fato de Lewy ter descoberto estes corpos não no sistema nigroestriatal de dopamina, mas em outras áreas do cérebro. Também, têm sido encontrados desde então em outras partes do corpo, inclusive em coleções de células nervosas que se encontram fora da medula espinal (conhecidas como ganglio simpatético) e na parede do intestino. De fato, parece cada vez mais provável que Parkinson não começa no sistema nigroestriatal, mas provavelmente na base do cérebro e no bulbo do olfato (a área do controle da habilidade de cheirar) ou mesmo nos nervos do coração e no trato intestinal... e que somente numa fase posterior da doença ele começa a afetar o sistema nigroestriatal.
Está tornando-se também notório que muitas destas mudanças fora do sistema nigroestriatal causam sintomas clínicos não motores que frequentemente precedem os sintomas do Parkinson. Estes são considerados por isso frequentemente "indicadores" ou "biomarcadores" de Parkinson. Eu penso que chamá-los "indicadores" é incorreto. As evidências estão aumentando atualmente de que antes de avisos de alerta do Parkinson são parte da própria doença.
Tome por exemplo o movimento rápido do olho (RDB), um distúrbio comportamental do sono, que é caracterizado pela agitação e pela atividade física durante o sono. Resulta que cerca de 40 por cento dos homens diagnosticados com RBD desenvolvem Parkinson mais tarde na vida - na média, 13 anos mais tarde. Nestes casos, RBD é quase certamente doença de Parkinson na base do cérebro, antes de afetar o sistema nigroestriatal e causar o parkinsonismo. Entre as pessoas que já têm o diagnóstico de DP, 50 a 60 por cento exibem evidências fisiológicas do distúrbio, indicando que RBD é um sinal clínico comum (embora não universal) das pessoas com diagnóstico Parkinson.
Considere a questão do olfato (sentido do cheiro). Há agora uma literatura que sugere a perda do cheiro como um sinal precoce de Parkinson, com alguns estudos que mostram disfunções olfativas em até 100% das PcP. O neuroanatomista alemão H. Braak observou que o sentido do olfato é uma das primeiras áreas do sistema nervoso central a ser afetado pelo Parkinson e deveria conseqüentemente ser uma peça de uma bateria multifacetada de diagnóstico para detectar a DP "pré-parkinsoniana".
Uma outra área de interesse científico é a disfunção autonômica - isto é, problemas com funções corporais sobre as quais não temos nenhum controle consciente, tal como a batida do coração, ou às funções de suar e a digestiva. Diversos estudos mostraram que a maioria (talvez todas) das pessoas com Parkinson apresentam perda de um componente da inervação autonômica do coração (este fenômeno é conhecido como a desenervação cardíaca simpatética). Suspeita-se de fato que a fatiga, uma das queixas as mais comuns entre as PcP, pode ter origem na função cardíaca debilitada.
Veja-se a questão da constipação, outra queixa muito freqüente entre PcP. Observado primeiramente pelo olho de lince do Dr. Parkinson, este problema foi atribuído à tradicional falta de atividade, ou hidratação inadequada ou a ambas. Então, no final dos anos 1980, os cientistas observaram a presença de corpos de Lewy no sistema nervoso autonômico do intestino delgado, bem como no esôfago. Isto sugere que a deglutição, um intestino preguiçoso e mesmo a disfunção da bexiga são manifestações diretas do processo patológico próprio do Parkinson, e de fato podem ser uma das suas manifestações precoces.
A sustentação desta hipótese é a surpreendente descoberta do famoso Programa do Coração Honolulu, um estudo a longo prazo de 8.000 homens japonês-americanos, nascidos início do século vinte, e que tiveram um acompanhamento médico a partir dos anos 1960. Impremeditadamente, o estudo mostrou que os homens que relataram menos de um movimento intestinal por dia, eram prováveis portadores de Parkinson na meia idade quatro vezes mais do que aqueles que relataram dois ou mais movimentos por o dia.
Como conectar os pontos entre estas observações dispersas? Cada vez mais os cientistas estão tentando achar uma explicação. Um grupo explorou recentemente a ligação entre a síndrome de RBD e a perda do sentido do olfato e descobriu surpreso que 97% dos pacientes de RBD tinham experimentado também a perda da função olfativa.
Como pretendemos seguir adiante? - que estudos novos são necessários; que sintomas devemos estudar; como podemos conectar os pontos entre eles; se de fato necessitamos rebatizar Parkinson para dirigir a atenção além dos seus sintomas motores - estamos longe da solução e necessitamos a atenção de cientistas de várias especialidades e enfoques diferentes. O que está claro é que nosso conceito de Parkinson precisa mudar, talvez radicalmente.
Necessitamos, entre outras coisas, ampliar a definição clínica de Parkinson para incluir todos os sindromes descritos neste artigo junto com a depressão, a ansiedade e os outros problemas relatados geralmente pelas PcP. Isto servirá como um lembrete constante que necessitamos olhar nossos pacientes não apenas como vítimas de uma falha do sistema nigroestriatal e enxergar a variedade de outros sintomas e sinais - muitos dos quais tradicionalmente excluídos do repertório do neurologista. (este último ponto, incidentalmente, sugere que necessitamos desenvolver equipes multidisciplinares para tratar estes pacientes, ou encontrar alguma maneira de assegurar que os neurologistas que os tratam recebam um treinamento muito mais diversificado.)
Necessitamos também reconhecer que as observações apresentadas neste artigo têm implicações profundas para a pesquisa das causas da DP, sugerindo a necessidade de se estudar os mecanismos da neurodegeneração que estão na origem da doença e não apenas a parte que destaca os problemas do movimento. Saber como a doença evolui desde seu início poderia ser de enorme valia para apontar indícios de sua causa. O processo terá também implicações nos esforços para modificar e retardar a progressão da doença antes do aparecimento dos sintomas motores. Esperar até que eles estejam clinicamente presentes, como fazemos hoje, força-nos a concentrar os esforços terapêuticos aos estágios avançados da DP, quando o fardo já é muito pesado e as opções demasiado limitadas. Eu encerro destacando que nenhuma das dimensões novas da DP que discuti aqui é novidade para cientistas que lidam com Parkinson. O que pode ser novo é que elas chegam juntas e de maneira convincente e o processo gera um interesse crescente. Isto será importante para o bem estar dos pacientes, para o conhecimento médico e para acionar o potencial da ciência visando esclarecer o mistério do Parkinson.
Dr. J. William Langston é o fundador,
Executivo Chefe e Diretor Cientifico do
Parkinson's Institute in Sunnyvale, CA.
Fonte: PDF – News & Review
Tradução e Links: Marcilio Dias dos Santos
J. William Langston, M.D.
O que é a doença de Parkinson (DP) afinal? Responder esta pergunta não é exatamente como armar um quebra-cabeça, mas tampouco é coisa fácil. Encontrar a resposta é importante porque nossa definição de DP pode ser a diferença entre o sucesso e o fracasso na procura de indícios da(s) causa(s) e das formas de combatê-la.
James Parkinson, o médico inglês que pela primeira vez definiu clinicamente a doença, há quase dois séculos, chamou-a "paralisia agitante." Mais de um século e meio depois os neurologistas passaram a defini-la como um severo "distúrbio do movimento", caracterizado pela tríade clássica de rigidez, lentidão do movimento, bem como da "agitação" ou tremor, associado há muito ao Parkinson.
O foco nestes sintomas e sinais motores ficou dramaticamente marcado nos anos sessenta pela descoberta de que sua causa residia numa perda de células produtoras de dopamina no cérebro, na área conhecida como "sistema nigroestriatal", e que poderiam ser melhorados pela administração da L-dopa, um precursor da dopamina. Contudo, mesmo na época desta descoberta, os médicos notavam que cada vez mais seus pacientes Parkinsonianos chegavam aos consultórios com outros sintomas - entre os quais queixas diversas como fadiga, constipação, depressão e mesmo diminuição da capacidade olfativa – que pareciam ser tão diferentes uns dos outros quanto de todos os sintomas do movimento que serviram por tanto tempo para caracterízar a DP.
Na verdade, estes sintomas motores tornaram-se tão entranhados no léxico médico que nós agora os chamamos "parkinsonismo."
O que isto significa para nossa compreensão e para lidarmos com o Parkinson? Eu acredito que significa que nossa definição de Parkinson é demasiado estreita. Por isso, restringimos muito nossas pesquisas concentrando-as numa porção do cérebro - o sistema nigroestriatal – produtor de dopamina - à custa de outras áreas cruciais de pesquisa. Posto às claras, está cada vez mais evidente que o "parkinsonismo" - os aspectos motores do Parkinson – são apenas uma característica de algo que é visto cada vez mais como um multifacetado e complexo distúrbio. Ninguém que viva com Parkinson (PcP) precisa que lhe seja dito. Eles percebem isso mais do que podem fazê-lo os especialistas e pesquisadores de Parkinson, por demais centrados no seu campo habitual - o sistema nigroestriatal - produtor de dopamina – para examinar outras áreas do cérebro e do corpo.
Assim, à luz desta evidência clínica mais ampla e complexa, como vamos reexaminar a teoria científica de Parkinson? Um bom começo é com o cientista alemão F.H. Lewy, que identificou um tipo diferente de matéria no cérebro de pessoas que morrem com Parkinson, chamado corpos de Lewy, cuja presença há muito é considerada como indicador patológico da doença.
Reconhecido menos amplamente é o fato de Lewy ter descoberto estes corpos não no sistema nigroestriatal de dopamina, mas em outras áreas do cérebro. Também, têm sido encontrados desde então em outras partes do corpo, inclusive em coleções de células nervosas que se encontram fora da medula espinal (conhecidas como ganglio simpatético) e na parede do intestino. De fato, parece cada vez mais provável que Parkinson não começa no sistema nigroestriatal, mas provavelmente na base do cérebro e no bulbo do olfato (a área do controle da habilidade de cheirar) ou mesmo nos nervos do coração e no trato intestinal... e que somente numa fase posterior da doença ele começa a afetar o sistema nigroestriatal.
Está tornando-se também notório que muitas destas mudanças fora do sistema nigroestriatal causam sintomas clínicos não motores que frequentemente precedem os sintomas do Parkinson. Estes são considerados por isso frequentemente "indicadores" ou "biomarcadores" de Parkinson. Eu penso que chamá-los "indicadores" é incorreto. As evidências estão aumentando atualmente de que antes de avisos de alerta do Parkinson são parte da própria doença.
Tome por exemplo o movimento rápido do olho (RDB), um distúrbio comportamental do sono, que é caracterizado pela agitação e pela atividade física durante o sono. Resulta que cerca de 40 por cento dos homens diagnosticados com RBD desenvolvem Parkinson mais tarde na vida - na média, 13 anos mais tarde. Nestes casos, RBD é quase certamente doença de Parkinson na base do cérebro, antes de afetar o sistema nigroestriatal e causar o parkinsonismo. Entre as pessoas que já têm o diagnóstico de DP, 50 a 60 por cento exibem evidências fisiológicas do distúrbio, indicando que RBD é um sinal clínico comum (embora não universal) das pessoas com diagnóstico Parkinson.
Considere a questão do olfato (sentido do cheiro). Há agora uma literatura que sugere a perda do cheiro como um sinal precoce de Parkinson, com alguns estudos que mostram disfunções olfativas em até 100% das PcP. O neuroanatomista alemão H. Braak observou que o sentido do olfato é uma das primeiras áreas do sistema nervoso central a ser afetado pelo Parkinson e deveria conseqüentemente ser uma peça de uma bateria multifacetada de diagnóstico para detectar a DP "pré-parkinsoniana".
Uma outra área de interesse científico é a disfunção autonômica - isto é, problemas com funções corporais sobre as quais não temos nenhum controle consciente, tal como a batida do coração, ou às funções de suar e a digestiva. Diversos estudos mostraram que a maioria (talvez todas) das pessoas com Parkinson apresentam perda de um componente da inervação autonômica do coração (este fenômeno é conhecido como a desenervação cardíaca simpatética). Suspeita-se de fato que a fatiga, uma das queixas as mais comuns entre as PcP, pode ter origem na função cardíaca debilitada.
Veja-se a questão da constipação, outra queixa muito freqüente entre PcP. Observado primeiramente pelo olho de lince do Dr. Parkinson, este problema foi atribuído à tradicional falta de atividade, ou hidratação inadequada ou a ambas. Então, no final dos anos 1980, os cientistas observaram a presença de corpos de Lewy no sistema nervoso autonômico do intestino delgado, bem como no esôfago. Isto sugere que a deglutição, um intestino preguiçoso e mesmo a disfunção da bexiga são manifestações diretas do processo patológico próprio do Parkinson, e de fato podem ser uma das suas manifestações precoces.
A sustentação desta hipótese é a surpreendente descoberta do famoso Programa do Coração Honolulu, um estudo a longo prazo de 8.000 homens japonês-americanos, nascidos início do século vinte, e que tiveram um acompanhamento médico a partir dos anos 1960. Impremeditadamente, o estudo mostrou que os homens que relataram menos de um movimento intestinal por dia, eram prováveis portadores de Parkinson na meia idade quatro vezes mais do que aqueles que relataram dois ou mais movimentos por o dia.
Como conectar os pontos entre estas observações dispersas? Cada vez mais os cientistas estão tentando achar uma explicação. Um grupo explorou recentemente a ligação entre a síndrome de RBD e a perda do sentido do olfato e descobriu surpreso que 97% dos pacientes de RBD tinham experimentado também a perda da função olfativa.
Como pretendemos seguir adiante? - que estudos novos são necessários; que sintomas devemos estudar; como podemos conectar os pontos entre eles; se de fato necessitamos rebatizar Parkinson para dirigir a atenção além dos seus sintomas motores - estamos longe da solução e necessitamos a atenção de cientistas de várias especialidades e enfoques diferentes. O que está claro é que nosso conceito de Parkinson precisa mudar, talvez radicalmente.
Necessitamos, entre outras coisas, ampliar a definição clínica de Parkinson para incluir todos os sindromes descritos neste artigo junto com a depressão, a ansiedade e os outros problemas relatados geralmente pelas PcP. Isto servirá como um lembrete constante que necessitamos olhar nossos pacientes não apenas como vítimas de uma falha do sistema nigroestriatal e enxergar a variedade de outros sintomas e sinais - muitos dos quais tradicionalmente excluídos do repertório do neurologista. (este último ponto, incidentalmente, sugere que necessitamos desenvolver equipes multidisciplinares para tratar estes pacientes, ou encontrar alguma maneira de assegurar que os neurologistas que os tratam recebam um treinamento muito mais diversificado.)
Necessitamos também reconhecer que as observações apresentadas neste artigo têm implicações profundas para a pesquisa das causas da DP, sugerindo a necessidade de se estudar os mecanismos da neurodegeneração que estão na origem da doença e não apenas a parte que destaca os problemas do movimento. Saber como a doença evolui desde seu início poderia ser de enorme valia para apontar indícios de sua causa. O processo terá também implicações nos esforços para modificar e retardar a progressão da doença antes do aparecimento dos sintomas motores. Esperar até que eles estejam clinicamente presentes, como fazemos hoje, força-nos a concentrar os esforços terapêuticos aos estágios avançados da DP, quando o fardo já é muito pesado e as opções demasiado limitadas. Eu encerro destacando que nenhuma das dimensões novas da DP que discuti aqui é novidade para cientistas que lidam com Parkinson. O que pode ser novo é que elas chegam juntas e de maneira convincente e o processo gera um interesse crescente. Isto será importante para o bem estar dos pacientes, para o conhecimento médico e para acionar o potencial da ciência visando esclarecer o mistério do Parkinson.
Dr. J. William Langston é o fundador,
Executivo Chefe e Diretor Cientifico do
Parkinson's Institute in Sunnyvale, CA.
Fonte: PDF – News & Review
Tradução e Links: Marcilio Dias dos Santos