QUEM CUIDA DAS CUIDADORAS?
A experiência espanhola
(EL PAÍS) - Madrid
CARMEN MORÁN
O ancião atirou uma colherada de purê na cara da filha e com a boca ainda cheia cuspiu-lhe alguns insultos. Igual a ontem, a anteontem, como sempre. Faz anos que o homem perdeu a cabeça e sua filha sente que está perto de perdê-la também. Situações como esta acontecem diariamente em muitos lares espanhóis. Os médicos de família as conhecem bem porque são eles que visitam os anciães dependentes, suas filhas e noras. Por isso agora, com a lei de dependência em sua discussão final, pedem que não se perca de vista as cuidadoras, mulheres em sua imensa maioria, que tem a seu cargo pais, filhos ou esposos com alguma limitação.
Entre 50 e 60 por cento das cuidadoras apresenta algum transtorno psíquico, principalmente ansiedade. Pelo menos 25 a 30 por cento recebeu um diagnóstico por depressão. "Este índice é quase o dobro do que ocorre entre mulheres com a mesma idade e idênticas características, sem dependentes a seu cargo." Explica o vicepresidente da Sociedade Espanhola de Medicina de Família e Comunitária (Semfyc), Asencio Lopes.
Deve-se a isso ser alto o consumo de psicofármacos entre as cuidadoras, geralmente uma mulher entre 60 e 65 anos de idade, sem muito estudo. "Mas somente 60% delas tomam a medicação que precisam. São muito resistentes porque aceitar que necessitam medicar-se é reconhecer o fracasso, a entrega. É reconhecer que não podem dar conta da responsabilidade que tem. Elas dizem que não podem ficar doentes porque: Quem cuidará do dependente," afirma Lopes. Se perco a concentração? E se me chamam de noite e não acordo? São as perguntas que os médicos de família escutam em suas consultas.
E há casos mais dramáticos. "Quando as cuidadoras tem a seu cargo pessoas com transtornos psíquicos severos, mães com filhos esquizofrênicos, por exemplo, elas precisam também de tratamento psiquiátrico em 80 a 85 por cento dos casos", afirma Lopes. Ainda que os tratamentos não sejam permanentes e sim temporários, em função das recaídas.
Assim, a incidência de problemas psíquicos entre as cuidadoras é 40 por cento superior à média. Muitas delas apenas aceitam tomar alguns analgésicos porque o desgaste físico que sofrem é considerável. Trata-se de lidar com pessoas que pouco ou nada podem colaborar, colocá-los na cama, asseá-los, levantá-los da cadeira, tornar a sentar. E nem sempre as casas estão adaptadas para facilitar esses cuidados. Isso acaba em dores nas costas, cervicais, tonturas, um desgaste físico e psíquico que se espalha as vezes como uma mancha de azeite sobre o bem estar de toda a família.
Os médicos de cabeceira acreditam que devem eles encarregar-se do primeiro relatório sobre a situação do dependente e do cuidador antes que esse seja avaliado para assumir os serviços e as obrigações que a nova lei estabelece. "Conhecemos sua realidade e podemos prever a evolução da doença e planejar os cuidados para ambos, reabilitação, atividades para aliviar angústia e a pressão".
Mas advertem que tudo isso precisa de "recursos e apoio porque as cuidadoras precisam de tempo para elas próprias".
As prefeituras costumam ter trabalhadores horistas à disposição para essas mulheres; há também ajudas regionais; e este ano chegaram os serviços diretamente vinculados à lei da dependência. Mas de novo as cuidadoras parecem ser o elo frágil da corrente. O governo propôs às comunidades que os dependentes mais graves e com menor capacidade econômica recebam até 780 euros mensais para residências, centros de dia e também se é uma assistente profissional que o atende. Mas se é para cuidados no âmbito da família a quantia máxima que receberão essas mulheres é de 470 euros. Se desconhece o número exato de dependentes na Espanha, ainda que os números do Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais falem de 1,1 milhão, a maioria com mais de 65 anos; Tampouco se sabe quantos desses são atendidos em casa. Mas uma pesquisa entre anciães do IMSERSO (Instituto de Mayores y Servicios Sociales) publicada em 2004 destacava que em mais de um milhão e meio de lares alguém da família se encarregava de cuidar do avô. Em 83 por cento dos casos eram mulheres as cuidadoras. Essa mesma pesquisa revelava que dois terços delas tinha problemas pessoais e econômicos (26 por cento não podia trabalhar fora de casa e 11 por cento abandonara seu emprego). Mais da metade afirmava ter problemas de saúde e 45 por cento um padecimento crônico. Diante de uma situação como esta, os médicos estão conscientes de que talvez não basta a ajuda econômica para essas cuidadoras, pois que elas se fizeram credoras de tempo para si próprias e só para elas. Muitas dessas mulheres foram impedidas de estudar há décadas, porque tinham que cuidar da família. E agora, quem vai cuidar delas?
Fonte:IntraMed
A experiência espanhola
(EL PAÍS) - Madrid
CARMEN MORÁN
O ancião atirou uma colherada de purê na cara da filha e com a boca ainda cheia cuspiu-lhe alguns insultos. Igual a ontem, a anteontem, como sempre. Faz anos que o homem perdeu a cabeça e sua filha sente que está perto de perdê-la também. Situações como esta acontecem diariamente em muitos lares espanhóis. Os médicos de família as conhecem bem porque são eles que visitam os anciães dependentes, suas filhas e noras. Por isso agora, com a lei de dependência em sua discussão final, pedem que não se perca de vista as cuidadoras, mulheres em sua imensa maioria, que tem a seu cargo pais, filhos ou esposos com alguma limitação.
Entre 50 e 60 por cento das cuidadoras apresenta algum transtorno psíquico, principalmente ansiedade. Pelo menos 25 a 30 por cento recebeu um diagnóstico por depressão. "Este índice é quase o dobro do que ocorre entre mulheres com a mesma idade e idênticas características, sem dependentes a seu cargo." Explica o vicepresidente da Sociedade Espanhola de Medicina de Família e Comunitária (Semfyc), Asencio Lopes.
Deve-se a isso ser alto o consumo de psicofármacos entre as cuidadoras, geralmente uma mulher entre 60 e 65 anos de idade, sem muito estudo. "Mas somente 60% delas tomam a medicação que precisam. São muito resistentes porque aceitar que necessitam medicar-se é reconhecer o fracasso, a entrega. É reconhecer que não podem dar conta da responsabilidade que tem. Elas dizem que não podem ficar doentes porque: Quem cuidará do dependente," afirma Lopes. Se perco a concentração? E se me chamam de noite e não acordo? São as perguntas que os médicos de família escutam em suas consultas.
E há casos mais dramáticos. "Quando as cuidadoras tem a seu cargo pessoas com transtornos psíquicos severos, mães com filhos esquizofrênicos, por exemplo, elas precisam também de tratamento psiquiátrico em 80 a 85 por cento dos casos", afirma Lopes. Ainda que os tratamentos não sejam permanentes e sim temporários, em função das recaídas.
Assim, a incidência de problemas psíquicos entre as cuidadoras é 40 por cento superior à média. Muitas delas apenas aceitam tomar alguns analgésicos porque o desgaste físico que sofrem é considerável. Trata-se de lidar com pessoas que pouco ou nada podem colaborar, colocá-los na cama, asseá-los, levantá-los da cadeira, tornar a sentar. E nem sempre as casas estão adaptadas para facilitar esses cuidados. Isso acaba em dores nas costas, cervicais, tonturas, um desgaste físico e psíquico que se espalha as vezes como uma mancha de azeite sobre o bem estar de toda a família.
Os médicos de cabeceira acreditam que devem eles encarregar-se do primeiro relatório sobre a situação do dependente e do cuidador antes que esse seja avaliado para assumir os serviços e as obrigações que a nova lei estabelece. "Conhecemos sua realidade e podemos prever a evolução da doença e planejar os cuidados para ambos, reabilitação, atividades para aliviar angústia e a pressão".
Mas advertem que tudo isso precisa de "recursos e apoio porque as cuidadoras precisam de tempo para elas próprias".
As prefeituras costumam ter trabalhadores horistas à disposição para essas mulheres; há também ajudas regionais; e este ano chegaram os serviços diretamente vinculados à lei da dependência. Mas de novo as cuidadoras parecem ser o elo frágil da corrente. O governo propôs às comunidades que os dependentes mais graves e com menor capacidade econômica recebam até 780 euros mensais para residências, centros de dia e também se é uma assistente profissional que o atende. Mas se é para cuidados no âmbito da família a quantia máxima que receberão essas mulheres é de 470 euros. Se desconhece o número exato de dependentes na Espanha, ainda que os números do Ministério do Trabalho e Assuntos Sociais falem de 1,1 milhão, a maioria com mais de 65 anos; Tampouco se sabe quantos desses são atendidos em casa. Mas uma pesquisa entre anciães do IMSERSO (Instituto de Mayores y Servicios Sociales) publicada em 2004 destacava que em mais de um milhão e meio de lares alguém da família se encarregava de cuidar do avô. Em 83 por cento dos casos eram mulheres as cuidadoras. Essa mesma pesquisa revelava que dois terços delas tinha problemas pessoais e econômicos (26 por cento não podia trabalhar fora de casa e 11 por cento abandonara seu emprego). Mais da metade afirmava ter problemas de saúde e 45 por cento um padecimento crônico. Diante de uma situação como esta, os médicos estão conscientes de que talvez não basta a ajuda econômica para essas cuidadoras, pois que elas se fizeram credoras de tempo para si próprias e só para elas. Muitas dessas mulheres foram impedidas de estudar há décadas, porque tinham que cuidar da família. E agora, quem vai cuidar delas?
Fonte:IntraMed
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